‘Fantasma’ da corrida bancária ressurge com aumento das tensões entre Brasil e Venezuela contra os EUA
Brasil – O país enfrenta um cenário de risco crescente em meio à escalada de tensão entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e os Estados Unidos. O impasse, que começou com a decisão do ministro Flávio Dino de proibir a aplicação de decisões judiciais estrangeiras no país, já acendeu alertas no setor financeiro e trouxe à tona o fantasma de uma corrida bancária. A crise, que parecia restrita ao campo jurídico e econômico, ganha agora contornos geopolíticos, sobretudo diante da ofensiva norte-americana contra a Venezuela.
A pressão dos EUA sobre Caracas
Nas últimas semanas, os Estados Unidos anunciaram o envio de três navios militares para o sul do Caribe, movimento interpretado em Caracas como um “ataque psicológico” e tentativa de intimidação. A Casa Branca, por meio do presidente Donald Trump, declarou que usaria “toda a força” contra o governo de Nicolás Maduro.
Segundo o cientista político William Serafino, da Universidade Central da Venezuela, a manobra vai além de Caracas: “O objetivo é enviar uma mensagem de autoridade, principalmente à China. A Venezuela é o ator fundador da multipolaridade em ascensão na América Latina, muito próxima de Pequim e de Moscou. É um país-chave nos processos de integração regional que oferecem um horizonte soberano e independente da dominação geopolítica dos EUA.”
Washington justifica a movimentação como parte da “guerra ao narcotráfico”, acusando Maduro de chefiar o suposto “Cartel dos Sóis”, narrativa antiga, mas nunca comprovada oficialmente. O ex-diplomata Sergio Rodríguez Gelfenstein lembra que “essas ameaças se repetem há 26 anos. Já tivemos golpe, bloqueio, invasões marítimas e terrestres, sempre sob a mesma retórica. É parte da estratégia de pressão, não significa que haverá guerra.”
O peso estratégico da Venezuela
O sul do Caribe é vital para Caracas porque é por onde escoam suas exportações de petróleo. Desde 2017, as sanções norte-americanas visam justamente as operações internacionais da estatal PDVSA, buscando sufocar a principal fonte de receita do país. Com a aproximação militar dos EUA, aumenta o risco de interdição de cargas e novos embargos, o que pode travar ainda mais o comércio exterior venezuelano.
Para a defesa, o governo Maduro mobilizou 4,5 milhões de milicianos bolivarianos e mantém um alerta permanente das Forças Armadas. Desde os anos 2000, o país substituiu seu arsenal americano por armamento russo. Hoje, possui caças SU-30, helicópteros e sistemas antiaéreos fornecidos por Moscou, além de cooperação militar que inclui centros de treinamento no país. Em 2024, navios russos estiveram em visita oficial a Caracas, reforçando o alinhamento estratégico.
Brasil em meio ao fogo cruzado
Se a tensão entre STF e EUA já assusta o sistema bancário brasileiro, a aproximação política do governo Lula com Caracas pode transformar o Brasil em alvo indireto das sanções de Washington. “O risco adicional é o país ser incluído em futuras retaliações americanas caso se alinhe à Venezuela. E, no campo financeiro, as consequências seriam imediatas”, avalia Moises da Silva Marques, especialista em risco sistêmico.
Esse risco se soma ao alerta do ministro Alexandre de Moraes, que ameaçou punir bancos brasileiros caso cumpram ordens dos EUA para bloquear ativos no país. A maioria das instituições financeiras nacionais possui operações sob jurisdição americana e depende do sistema Swift. Em caso de sanções, basta a suspeita de fragilidade para instalar uma onda de pânico.
“Em um cenário extremo, poderia haver corrida bancária, com correntistas sacando em massa seus recursos. Nenhum banco do mundo tem dinheiro físico para suportar esse movimento”, explica Carla Beni, professora da FGV-SP.
O perigo da escalada
A ofensiva americana contra Caracas não é novidade: em 2020, Trump já havia anunciado operação semelhante contra o narcotráfico no Caribe, sem resultados concretos. Ainda assim, a retórica de “guerra psicológica” contra Maduro serve para mobilizar o eleitorado republicano nos EUA, especialmente a ala linha-dura liderada por Marco Rubio, de forte base no exílio latino.
Para Serafino, um possível “golpe de efeito” seria a apreensão de alguma carga marítima, apresentada como vitória contra o narcotráfico, reforçando a narrativa contra o governo chavista. Esse tipo de episódio, ainda que simbólico, poderia escalar tensões e justificar medidas econômicas e financeiras mais duras contra aliados da Venezuela.
E é aqui que o Brasil entra em risco. Caso se posicione ao lado de Maduro em meio ao conflito, o país pode enfrentar represálias que impactariam diretamente o setor financeiro, já abalado pelo embate jurídico entre STF e Washington.
Corrida bancária: o pior cenário
Um efeito dominó poderia se instalar: sanções contra bancos brasileiros, aumento da percepção de instabilidade e uma corrida aos caixas, capaz de quebrar instituições sólidas apenas pela perda de confiança. O Banco Central teria de intervir rapidamente com injeção de liquidez, restrição temporária de saques e até socorro direto a instituições “grandes demais para falir”.
“Não se trata apenas de economia, mas de geopolítica. O Brasil, ao se envolver em um conflito que opõe EUA e Venezuela, pode ver sua própria estabilidade financeira colocada em xeque. A confiança é o pilar do sistema bancário. E confiança é justamente o que se perde em crises dessa magnitude”, conclui Marques.


