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Falta de metas, tolerância à corrupção e promessas não cumpridas: a ciranda da crise brasileira

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Brasil – A expressão “é o cachorro correndo atrás do próprio rabo” serve bem para ilustrar a situação do país no momento em que uma série de medidas são anunciadas —como a reforma tributária— sem resultados efetivos até agora, passados 21 meses do início do atual governo federal.

O país vem olhando para a busca de soluções, mas o governo resiste a entender que o foco da crise está no gigantismo do Estado e no desequilíbrio das contas públicas.

A primeira consequência é que o déficit público só aumenta. Dobrou de tamanho em 2023 —R$ 967 bilhões ante R$ 480 bilhões de 2022. Mais déficit público significa mais dívida pública, que já compromete 78% do PIB, ou cerca de R$ 8,7 trilhões.

Com isso, o país paga mais juros, eleva a dívida pública e alimenta o círculo vicioso: se a dívida cresce, fica maior o risco país, o que afasta investidores externos e provoca aumento no spread. Assim, sobram menos recursos para prestação de serviços à população.

A crise perdura há mais de 30 anos e tem várias origens, menos uma: a falta de recursos financeiros. Os governos pós-Constituição de 1988 vêm dispondo de 32% a 34% do PIB (arrecadação tributária) e, mesmo assim, têm déficit nominal de 8% a 9% do Produto Interno Bruto, sem devolver ao contribuinte serviços de qualidade.

Entre as várias causas estão a falta de um plano de metas, a tolerância à corrupção endêmica e a manutenção dos privilégios em benefício dos donos do poder. Mais: a prática constante de escamotear a verdade, pela falta de transparência dos atos do governo ou pelas reiteradas promessas que não são cumpridas.

Um exemplo é o Plano Nacional de Educação, criado por lei em 2014, com 20 metas nunca cumpridas totalmente e substituídas pelo PNE de 2024. A meta 6 original previa que até 2016 ao menos 50% das escolas públicas teriam ensino em tempo integral, mas o Censo mostrou que em 2022 só 6,9% obtiveram esse avanço. Outro caso: a meta 20 previa ampliar o investimento em educação para, no mínimo, 7% do PIB até 2019 e 10% em 2024, mas em 2023 esse investimento não passou de 5,5%.

É possível transformar o círculo vicioso em virtuoso. O ponto de inflexão é garantir mais transparência. É imperioso trabalhar com a verdade, pondo fim à prática de criação de narrativas que ao final se revelarão estéreis com a evolução dos fatos.

O Brasil reclama também o compromisso inadiável de combate à corrupção. Sem isso, reinarão a impunidade e a sensação de que o crime compensa —perigosa sinalização às novas gerações.

Estima-se que a corrupção consuma cerca de 2,5% do PIB. Se, por hipótese, fosse reduzida à metade, o Brasil teria economia de R$ 150 bilhões por ano em recursos públicos. Apesar disso, há cerca de dois anos não se vê atuação nesse sentido. A Polícia Federal parece estar concentrada apenas na questão da venda de joias pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e nos lamentáveis episódios de 8 de janeiro de 2023. Outros escândalos passam sem alarde, como os indícios de direcionamento de recursos orçamentários para atender interesses de um ministro de Estado e a concessão de energia térmica no Amazonas, envolvendo passivo de bilhões de reais assumido pelo governo e pago pelo contribuinte.

Para interromper a ciranda da crise também é fundamental reduzir os gastos com funcionalismo, que hoje consomem 12,8% do PIB. O ideal seria limitar essa despesa a 9,8%, média nos 37 países da OCDE, mediante a redução de privilégios e não concursados. A economia seria de R$ 340 bilhões por ano.

É essencial, ainda, reduzir os gastos tributários da União dos atuais 4,8% para 2% a 2,5% do PIB, o que geraria economia superior a R$ 320 bilhões por ano, e tornar as eleições menos onerosas, limitando os recursos dos fundos partidário e eleitoral.

Tais medidas seriam suficientes para reduzir em R$ 800 bilhões as despesas anuais. Representariam um grande passo rumo à austeridade e à responsabilidade orçamentária, fundamentais para o Brasil superar a crise e dar um horizonte mais positivo ao país, com mais eficiência e desenvolvimento e menos desigualdade e pobreza.

* Artigo de Samuel Hanan para a Folha de São Paulo


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