EUA abrem investigação comercial contra o Brasil e miram Pix, pirataria e até a 25 de Março
Brasil – O governo dos Estados Unidos abriu uma ampla investigação comercial contra o Brasil, colocando em xeque práticas adotadas pelo país em áreas como comércio digital, tarifas de importação, proteção de propriedade intelectual e desmatamento. Um dos alvos inusitados do inquérito é o sistema de pagamentos instantâneos Pix, desenvolvido pelo Banco Central, que os norte-americanos consideram uma possível prática desleal.
Segundo relatório divulgado pelo Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês) nesta terça-feira (15), o Brasil “parece se envolver em práticas desleais com relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo a promoção de soluções desenvolvidas pelo governo”. A acusação mira diretamente o avanço do Pix, que se consolidou como o principal meio de pagamentos no país, impactando empresas internacionais de tecnologia financeira e bandeiras de cartão de crédito.
A investigação foi autorizada sob a gestão do presidente Donald Trump, em um movimento que reflete a crescente tensão comercial entre os dois países. “Sob o comando do presidente Trump, eu abri a investigação sobre os ataques do Brasil às empresas de rede social americanas e outras práticas comerciais injustas”, declarou Jamieson Greer, atual representante dos EUA para o comércio.
Pirataria, 25 de Março e propriedade intelectual
Outro ponto sensível do relatório envolve críticas contundentes à falta de fiscalização da pirataria e do comércio de produtos falsificados no Brasil. O USTR cita nominalmente a tradicional rua 25 de Março, em São Paulo, apontada como um dos maiores polos de venda de produtos falsificados do mundo.
“O Brasil não conseguiu abordar de forma eficaz a importação, distribuição, venda e uso generalizado de produtos falsificados, consoles de jogos modificados, dispositivos de streaming ilícitos e outros itens de violação”, afirma o documento. Segundo os norte-americanos, a falta de punições efetivas e duradouras perpetua o problema e prejudica a adoção de canais legais de distribuição de conteúdo.
A crítica se estende ainda à alta demora na concessão de patentes, sobretudo no setor farmacêutico e biofarmacêutico. O tempo médio para aprovação de uma patente nesse setor chega a quase 10 anos, o que, segundo o USTR, reduz o tempo útil de exclusividade e impacta empresas norte-americanas de inovação.
Redes sociais, censura e dados
Em tom político, o relatório também acusa o Brasil de impor restrições abusivas às empresas de mídia social dos EUA, citando inclusive decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Os americanos alegam que plataformas como X, Instagram e Facebook estariam sendo obrigadas a remover conteúdos e perfis, inclusive de cidadãos americanos, com base em “ordens secretas”, sem respaldo jurídico claro.
Além disso, Washington reclama de barreiras à transferência internacional de dados pessoais, que, segundo o relatório, dificultam a prestação de serviços por empresas sediadas nos EUA.
Tarifas, etanol e desmatamento
O USTR ainda aponta tarifas preferenciais injustas, alegando que o Brasil favorece países como Índia e México em determinados setores, em detrimento das exportações norte-americanas.
No setor de biocombustíveis, a denúncia é de que o Brasil teria rompido com acordos de reciprocidade e passou a taxar fortemente o etanol dos EUA, fazendo com que as exportações americanas despencassem.
O desmatamento ilegal também entra no relatório como um fator de concorrência desleal. A acusação é de que áreas desmatadas irregularmente na Amazônia estariam sendo usadas para produção agrícola (como soja e gado), gerando uma vantagem de preço no mercado internacional. O documento também denuncia uso de trabalho forçado e fraudes em documentação florestal, com madeira de origem ilegal entrando no mercado dos EUA com preços mais baixos.
Riscos de sanções e impacto para o Brasil
A investigação pode ter consequências sérias para a economia brasileira. O processo aberto pelo USTR pode culminar em sanções comerciais, sobretaxas e até barreiras alfandegárias para produtos brasileiros. Como a iniciativa parte de uma administração com histórico protecionista, o risco de medidas punitivas é elevado.
Especialistas alertam que o Brasil pode enfrentar um novo capítulo de tensão com seu segundo maior parceiro comercial, em um momento de desaceleração da economia global e fragilidade cambial. A retaliação dos EUA, se confirmada, pode atingir setores estratégicos como agronegócio, tecnologia e exportações industriais.
Com o Pix no alvo e a 25 de Março como símbolo da desconfiança, o Brasil entra novamente no radar de Washington — e a disputa, mais uma vez, vai muito além do comércio.