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Revoltante: indígena revela como era estuprada enquanto amamentava seu bebê em delegacia no Amazonas

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Amazonas – Um caso revoltante de estupro coletivo dentro de uma delegacia pública, que envolve agentes do Estado, escancara o abismo entre a legalidade e a barbárie institucionalizada no interior do Amazonas.

Uma mulher indígena da etnia Kokama, de 29 anos, afirma ter sido estuprada por quatro policiais e um guarda municipal durante os nove meses em que esteve presa na 53ª Delegacia de Polícia de Santo Antônio do Içá, sem estrutura mínima para manter presas do sexo feminino.

Os abusos teriam ocorrido entre novembro de 2022 e agosto de 2023 — um período de violência e abandono que, até agora, não teve resposta efetiva da Justiça.

Segundo o relato da vítima, os crimes eram sempre cometidos à noite, em plena cela onde ela estava confinada junto a homens e, pasmem, com seu bebê recém-nascido ao lado, que permaneceu por ao menos dois meses na carceragem para ser amamentado. A mulher ainda afirma ter sido forçada a ingerir bebidas alcoólicas antes dos abusos, mesmo durante o resguardo quando ainda se recuperava fisicamente do parto.

As agressões sexuais teriam acontecido diante de outros presos e do próprio filho.

O silêncio das autoridades é cúmplice. Onde está a resposta do Estado?

É estarrecedor saber que essas denúncias só vieram à tona após a transferência da vítima para a Cadeia Pública Feminina de Manaus, em 28 de agosto de 2023. Foi nesse momento que, finalmente, ela teve coragem de relatar os abusos ao advogado Dacimar de Souza, após meses de silêncio, medo e desamparo.

Pior: mesmo com laudo pericial do Instituto Médico Legal apontando indícios de conjunção carnal violenta, o estado parece caminhar a passos lentos e tímidos. Os agressores, até o momento, não foram publicamente identificados ou afastados com rigor. Os inquéritos, tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Militar, seguem em “caráter sigiloso”. E enquanto isso, os suspeitos seguem protegidos pelo manto da impunidade.

A Justiça brasileira, tão ágil para punir os mais pobres, parece estranhamente morosa quando os autores são agentes fardados do próprio Estado.

A Procuradoria-Geral do Estado, que só tomou conhecimento do caso após a ação indenizatória ser ajuizada, teve a audácia de oferecer meros R$ 50 mil para “encerrar” o processo — valor que não chega a 10% do que é pedido pela defesa (R$ 530 mil). A proposta é um tapa na cara de qualquer pessoa minimamente sensata. Uma tentativa de reduzir a dor humana a um valor simbólico que não repara, não transforma e, acima de tudo, não pune.

Mais do que uma mulher: uma indígena. Mais do que vítima: símbolo do abandono

O caso expõe com brutalidade a situação desumana de mulheres presas no interior do Amazonas, especialmente indígenas.

O relato da vítima, a ausência de estrutura nas delegacias, e a improvisação grotesca de manter um bebê numa cela prisional refletem um colapso administrativo das instituições responsáveis pela segurança, pela Justiça e pelos direitos humanos.

A procuradora-geral de Justiça do Amazonas, Leda Mara Albuquerque, que colheu o depoimento da vítima pessoalmente, afirmou com razão que “não podemos mais aceitar que não haja espaços adequados para custodiar mulheres presas no interior”. Mas o que será feito de concreto? Quando? E quem será responsabilizado?

A Defensoria Pública do Estado, que teve conhecimento do caso no dia seguinte à transferência da vítima, também admitiu que optou pela cautela, com receio de represálias contra a mãe e os filhos da vítima que continuam morando em Santo Antônio do Içá.

Mas e a cautela com a Justiça? Com a responsabilização penal? Com a proteção de outras possíveis vítimas que ainda estejam sob custódia em situações semelhantes?

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), apesar de ter se mobilizado tardiamente, cobrou o afastamento imediato dos policiais citados e acionou o Ministério da Mulher para acompanhar o caso.

A pergunta que não cala é: por que essas providências não foram públicas e imediatas no momento em que a denúncia foi oficializada, em agosto do ano passado?

Violência institucional é crime 

A sociedade brasileira não pode aceitar que uma mulher presa, ainda mais uma mulher indígena, tenha sido submetida a um ciclo de violência e estupro por parte de homens que deveriam protegê-la.

Os autores devem ser identificados e julgados com o máximo rigor da lei, não como exceção, mas como exemplo.

O caso precisa ser encarado com a gravidade que exige: como uma violação sistemática de direitos humanos, de gênero, de etnia e de função pública. O crime de estupro praticado por agentes do estado em ambiente carcerário não pode ser abafado por inquéritos internos, nem resolvido por acordos financeiros vergonhosos.

Estamos diante de um crime hediondo, cometido por representantes do Estado, dentro de um espaço institucional. Não se trata apenas de reparar a vítima, mas de enfrentar a cultura de violência e impunidade que contamina as forças de segurança.

Uma mulher foi violada. Uma indígena foi desumanizada. Um bebê assistiu tudo em silêncio. E o Estado, até agora, está devendo uma resposta à altura.

A história dessa mulher é um grito que precisa ecoar nos tribunais, nas assembleias, na imprensa e nas ruas.

A Justiça não pode continuar de olhos vendados quando quem a fere veste farda e tem crachá do poder público.





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