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Por unanimidade, STF decide tornar réu o presidente da Câmara

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BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade na tarde desta quinta-feira acolher parcialmente a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A denúncia contra a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), atual prefeita de Rio Bonito, também foi aceita por maioria dos votos. Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes foram contra a abertura de processo contra a prefeita. De acordo com Toffoli, Solange Almeida não solicitou nem recebeu vantagem indevida, tampouco aceitou promessa nesse sentido. Com a decisão do tribunal, o presidente da Câmara será o primeiro réu da Lava-Jato com foro especial.

O ministro Marco Aurélio Mello, que votou na quarta-feira acolhendo a denúncia contra Eduardo Cunha e Solange Almeida, discordou de Toffoli.

— O coautor da corrupção passiva, não precisa ser demonstrado em relação a ele que haja solicitado ou aceitado e recebido qualquer numerário. Basta que se demonstre uma colaboração para a prática criminosa. E ele responderá na medida dessa colaboração – disse Marco Aurélio.

O ministro Gilmar Mendes acompanhou Toffoli e votou contra o recebimento da denúncia em relação a Solange Almeida. Segundo ele, não há prova de que ela tenha solicitado, recebido ou aceito vantagens ilícitas para apresentar os requerimentos de interesse de Cunha.

– Tomando os fatos até agora demonstrados, o que retiro deles por mais provável é que a então deputada tenha agido na crença de que estava praticando um ato perfeitamente legítimo, normal à atividade parlamentar. Todos nós que temos alguma convivência com a prática parlamentar sabemos que não é incomum deputados assinarem em solidariedade a um dado colega um dado projeto que depois descobrem contrariar frontalmente até a sua linha filosófica e política de atuação. Quem já andou pelo Congresso Nacional sabe que pelos corredores andam funcionários coletando assinaturas de apoio – disse Gilmar, acrescentando:

– O que parece demonstrado é que esse parlamentar em posição de destaque (Eduardo Cunha) apresentou à colega de bancada Solange um requerimento que parecia perfeitamente adequado às circunstâncias, um pedido de apuração, e solicitou que ela o apresentasse em comissão da qual tomava parte. Se de fato estava comprometido com a corrupção, o deputado Cunha não teria razão para informar à deputado Solange do ilícito ou de dividir com ela os lucros. E isso, como demonstrou o ministro Toffoli, não aparece nos autos.

Ele também aproveitou para alfinetar o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza, que hoje é advogado de Cunha. Antonio Fernando, que fez a denúncia do mensalão em 2006, estava no plenário do STF acompanhando a sessão e riu ao ouvir os comentários de Gilmar Mendes.

– Registro ainda observação histórica: a situação peculiar do doutor Antonio Fernando, que teve atuação neste tribunal como procurador-geral da República. Todos nós reconhecemos sua atuação ímpar, clara, elevada, imparcial. E que hoje também atua na nobre tarefa da defesa, admitindo que atuou aqui quando fez a denúncia do mensalão e talvez agora desse filhote maior do mensalão, que é o petrolão – disse Gilmar, em referência ao esquema de corrupção montado na Petrobras.

Após o fim o julgamento, os deputados Alessandro Molon (Rede-RJ) e Chico Alencar (Ssol-RJ) destacaram o fato de a denúncia contra Cunha ter sido acolhida por unanimidade. Molon espera que isso possa ajudar a afastar o presidente da Câmara do cargo, seja por ações da própria Câmara, seja pelo STF. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou no tribunal um pedido nesse sentido.

— O recebimento da denúncia por unanimidade mostra a robustez das provas e a gravidade das acusações. Espero que tenha (reflexos no afastamento) tanto aqui no Supremo quanto na Câmara. A Câmara precisa imediatamente fazer com que o presidente se afaste de suas funções, para que avance o processo contra ele no Conselho de Ética sem qualquer tipo de interferência indevida, como vem ocorrendo – disse Molon.

– Isso é uma questão eminentemente política, porque não tem nenhum preceito regimental. É uma situação inédita. Aliás, dois ineditismos. Eu e Molon somos formados em História. Em 193 anos de Parlamento, não houve nunca presidente de Câmara dos Deputados, no Império ou na República, réu de processo criminal. Dois: nunca o Supremo acolheu por unanimidade denúncia contra figura política desse peso, o que mostra a gravidade da situação. Se ele tivesse bom senso e um mínimo de espírito republicano, ele se afastaria do cargo. Mas é pedir demais a Eduardo Cunha – afirmou Alencar.

Primeiro a votar ontem, o realtor Teori Zavascki afirmou que há indícios suficientes contra Cunha e Solange para justificar a abertura de ação penal, iniciando uma nova fase das investigações. O relator foi seguido por mais cinco ministros: Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Roberto Barroso, Rosa Weber, Edson Fachin, que resolveram antecipar o voto.

— Há indícios robustos para receber parcialmente a denúncia — declarou Teori.

Para o ministro, Cunha “incorporou-se à engrenagem espúria protagonizada pelo então diretor da Petrobras Nestor Cerveró, por Julio Camargo e por Fernando Soares, bem como dela se fazendo beneficiário”. Na denúncia, Janot acusou o deputado de ter participado do esquema a partir de 2006, quando começaram a ser firmados os contratos para a aquisição dos navios-sonda. No entanto, Teori ressaltou que não há elementos concretos para sustentar esse trecho da acusação, e recebeu apenas parte da denúncia feita pelo MPF.

Na sustentação da denúncia no plenário, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recorreu à mitologia grega para sugerir que falta a Cunha a capacidade de se envergonhar. De acordo com o procurador, houve pagamento de propina nas sondas.

— O deputado (Eduardo Cunha) e a deputada (Solange Almeida), ambos utilizaram o cargo para pressionar e forçar o pagamento de propina. O deputado Eduardo Cunha recebeu no mínimo US$ 5 milhões e eles indicaram a forma de lavagem do dinheiro — afirmou, para depois concluir:

— Para encerrar, diria que esse caso lembra e deve nos remeter à uma leitura atenta do julgamento de Sócrates, em especial do mito de Hermes. Zeus (deus dos deuses), preocupado com o ocaso da raça humana, encaminha seu representante Hermes (deus mensageiro) com dois atributos especiais para que houvesse êxito na prática lícita da política para organizar a sociedade. Esses predicados eram de respeito ao direito alheio e à justiça, “aidós”, capacidade de se envergonhar. O caso realmente remete a uma leitura atenta do mito de Hermes — disse Janot.


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