Silves e Itapiranga podem se tornar “cidades-fantasmas” após recomendação do MPF para que a Funai interdite região indígena
Amazonas – O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que, através do instrumento administrativo da Portaria de Restrição de Uso, prevista no art. 7° do Decreto n° 1.775/96, promova a imediata interdição das áreas com a presença de indígenas isolados nas regiões do Mamoriá Grande, no município de Lábrea, e do Igarapé Caribi, nos municípios de Silves e Itapiranga, no Amazonas.
A recomendação leva em consideração as manifestações e pedidos de atuação do MPF em relação à presença de indígenas isolados na região de Silves e Itapiranga, área do Igarapé Caribi, feitas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), inclusive diretamente por quem avistou os indígenas nessa área. Além disso, também é considerado ofício da Funai sobre exploração de petróleo e gás em Silves. No documento, o MPF foi informado sobre a alta probabilidade de presença de povos indígenas isolados na região do Igarapé Caribi e afluentes.
Na região do Mamoriá, também no Amazonas, a própria Frente de Proteção Etnoambiental Madeira Purus da Funai constatou a presença de povos isolados em dois momentos distintos, tendo realizado expedição ao local em dezembro de 2023.
Na recomendação, são citadas nominalmente a presidenta e a diretora de Proteção Territorial da Funai. Também são pedidas a edição e a promulgação de portarias de restrição de uso das terras nos termos técnicos e delimitação da área georreferenciada definidas pela Funai.
A região do Igarapé Caribi é área de manejo madeireiro pela empresa Mil Madeiras Preciosas. E ainda há em curso nas imediações a instalação de empreendimento de gás pela empresa Eneva. O MPF argumenta que a presença de qualquer pessoa nas áreas onde vivem os povos isolados ocasiona graves ameaças à vida e à própria existência desses grupos. O MPF considera os indígenas vulneráveis frente a nossa sociedade, sob os aspectos epidemiológicos (doenças) e defende o princípio da precaução com a adoção da medida administrativa cautelar da restrição de uso.
A recomendação à Funai é de autoria conjunta dos procuradores da República Eduardo Sanches e Fernando Merloto Soave, titulares do 3° e do 5° Ofício da Procuradoria da República no Amazonas e do procurador da República Daniel Luis Dalberto, do Ofício de Povos Isolados e de Recente Contato da 6ª Câmara do MPF, expedida no âmbito do Inquérito Civil n° 1.13.000.000887/2021-65 e do Procedimento Administrativo n° 1.00.000.010448/2023-81.
Caso a recomendação não seja atendida, os dirigentes da Funai poderão ser responsabilizados por conduta de omissão, cabível de medidas judiciais. A recomendação estabelece prazo de dez dias para que a Funai informe ao MPF sobre seu acatamento, encaminhando esclarecimentos detalhados a respeito das providências adotadas.
Impactos negativos na região:
Se implementada, a medida terá repercussões amplas, tanto para a economia quanto para a vida cotidiana das populações locais:
- Interrupção de atividades econômicas
A interdição proposta poderá afetar diretamente investimentos bilionários na exploração de gás e petróleo na região, como o projeto de R$ 6 bilhões no igarapé Caribi. Empresas do setor já manifestaram preocupação com a possível paralisação, o que pode acarretar perda de empregos, redução de arrecadação tributária e estagnação de projetos de infraestrutura. - Impacto no abastecimento de energia
Um dos impactos mais críticos seria a interrupção do fornecimento de gás para a Usina Térmica Jaguatirica II, responsável por 70% da energia elétrica de Roraima. Sem esse recurso, o estado, que já enfrenta isolamento do Sistema Interligado Nacional (SIN), corre o risco de enfrentar apagões, afetando hospitais, escolas e a vida da população. - Deslocamento de comunidades locais
As cidades de Silves e Itapiranga também seriam impactadas, com a possibilidade de interdições em rodovias locais (AM-330 e AM-363), prejudicando a mobilidade e o comércio. A redução na atividade econômica poderia transformar essas localidades em “cidades-fantasmas”, caso alternativas de subsistência não sejam criadas para a população.