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Rio Solimões vira deserto e indígenas adoecem bebendo água contaminada

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Amazonas – O rio Solimões é uma veia central da Amazônia. Carrega ancestralidade, conecta regiões e países, dá vida a uma infinidade de comunidades tradicionais em suas margens e nas margens de afluentes e igarapés.

O trecho que banha a Terra Indígena Porto Praia de Baixo, na região de Tefé (AM), virou deserto. O rio caudaloso, que ditava o ritmo da comunidade, foi substituído por enormes bancos de areia a perder de vista.

Kokamas, tikunas e mayorunas cruzam esses bancos de areia de margem a margem, de ponta a ponta da terra indígena, em uma imagem que lembra um deserto.

A transformação é uma situação extrema: os indígenas de Porto Praia são unânimes em apontar a seca de 2023 como a pior já vista, superando os efeitos da estiagem de 2010.

O rio secou muito, os bancos de areia são mais extensos, os barcos ancoram cada vez mais longe, a estiagem já dura mais tempo e a expectativa é de que esse cenário de deserto continue até novembro. O rio secou em setembro, e os níveis de água diminuem a cada dia, sem previsão de fim. 

Os barcos só chegam a dois quilômetros da aldeia. A população percorre a pé a margem enlameada do rio. Outro percurso possível é pelos bancos de areia, contornando poças de água que resistem à estiagem.

Segundo o cacique Amilton Braz da Silva Kokama, 52. Os moradores não podem sair para pescar, ou levar os produtos para vender na cidade. Mais de 100 famílias do território produzem principalmente farinha e banana. 

Os indígenas improvisam pequenas dragagens, tentando abrir caminho para a água e para os barcos. Funciona muito pouco, pois a cada dia a água está mais escassa. O deserto que se formou é cruzado por quem insiste na pesca num lago após a margem oposta. Ou por carregadores de produtos da cidade e de motores dos barcos deixados a quilômetros da comunidade.

O medo é de que os motores sejam roubados por piratas, comuns no médio Solimões. Eles seguem atuando mesmo na estiagem severa. A mortandade de peixes foi imensa, o que não ocorreu na seca de 2010.

 

Poço artesiano 

Um poço artesiano garante o consumo de água pelas famílias. Porto Praia insiste em contornar o isolamento: os indígenas tentam acessar lagos para pesca e a cidade de Tefé, onde vendem seus produtos. O rio segue em vazante, um indicativo de que a seca ainda vai avançar nesse ponto do Solimões.

A realidade na aldeia Nova Esperança do Arauiri, da Terra Indígena Boará/Boarazinho, também é de isolamento, o igarapé Paranã do Arauiri virou um estreito curso d’água, com água parada, aquecida, enlameada e fétida. As embarcações não alcançam mais o Rio Solimões. Para chegar à aldeia é preciso percorrer dois quilômetros por uma trilha improvisada diante da sequidão do igarapé. 

 

Água contaminada

A comunidade Nova Esperança vive um crônico problema de falta d’água. Até um mês atrás, o local não tinha alternativa senão usar a água barrenta do igarapé. O resultado foi uma “pandemia”, palavra usada pelo cacique Cláudio Cavalcante, 44, de diarreia, vômito, febre e dor de estômago, especialmente entre as crianças.

A instalação de placas solares no mês passado permitiu o bombeamento de água de um lago próximo, mas a qualidade segue ruim. Segundo o cacique, não houve capacitação para que as famílias pudessem tratar e filtrar a água, que também é captada das esparsas chuvas na estiagem. Os problemas de saúde decorrentes do consumo dessa água continuam. 

A Defesa Civil levou água potável às 17 famílias kokamas de Nova Esperança. “Com urgência, a gente precisa de água, de capacitação para o tratamento e de medicamentos para diarreia, infecção intestinal e vômito”, diz Cavalcante. O cacique prevê uma seca ainda mais prolongada: o rio só estará navegável no fim de novembro. “A seca de 2010 não foi tão difícil como essa. Com certeza esta é a pior que já tivemos aqui dentro.”

O encolhimento do igarapé impede o transporte até Tefé,  do milho, da banana e da melancia cultivados pelos indígenas. “O sol foi tão quente nessa região que atrapalhou a plantação. Secou a plantação de melancia”, afirma Cavalcante.

Sem água para beber, foi necessário paralisar as aulas das crianças. Nada é mais urgente na aldeia do que a busca por uma solução para que as famílias tenham água potável durante o prolongamento da seca.

“A gente sofre com  essas doenças todo ano. Mas este ano foi pior, já começou em agosto”, diz o cacique. “A gente não consegue tratar a água.”


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